Mãe azul: rotina e quarentena

Esta é a quarta parte da entrevista com Chimena Gama, mãe do Álvaro, uma criança muito querida de 9 anos que tem autismo. Esta série de entrevistas, que estão sendo publicadas às segundas e quartas, vem celebrar o Abril Azul, um mês de visibilidade e conscientização sobre o transtorno do espectro do autismo (TEA).

Nas partes anteriores, ela falou sobre a descoberta do diagnóstico, as terapias e o ingresso na escola regular. Nesta parte, a Chimena, que também é professora de português e especialista em educação inclusiva, vai falar um pouco sobre como é a rotina da família e como está sendo a experiência deles nesta quarentena. Ela tem um olhar amoroso e os dois pés fincados no chão. Isso me encanta.

As expressões em negrito indicam assuntos que serão brevemente explicados no final da entrevista. Confira!

Chimena, Álvaro e Eduardo (foto cedida pela entrevistada).

Chimena, Álvaro e Eduardo (foto cedida pela entrevistada).

ÉRICA: Como é o dia a dia de vocês?
CHIMENA: Nosso dia a dia é sob o lema dos alcoólicos anônimos: "só por hoje". Autistas são muito inconstantes no humor e na sensibilidade. Há momentos extremamente delicados e às vezes passamos dias e semanas super em paz. Além disso, é tudo muito puxado e corrido: eu e o Edu trabalhamos, Alvi faz duas horas de terapia por dia... Nem sempre a mesma terapia no mesmo dia... Eu me sinto numa corrida de Fórmula 1. Isso sem contar as tarefas dele da escola... As coisas que as terapeutas pedem... Aqui em casa, somos muito regrados com horários para que tudo corra bem.

E: Vocês já sofreram ou sofrem algum tipo de preconceito?
C: Como eu disse, passamos maus bocados ao procurar escola para ele ano passado. Uma pediu para o levar lá, queriam vê-lo para garantir a vaga! Outra nos negou vaga duas vezes (era a que mais queríamos, fomos em dois momentos distintos), enquanto aceitava matrícula de vários coleguinhas dele da escola. Foi muito duro. Percebemos também que pessoas mais velhas tendem a olhar mais feio para os comportamentos autísticos dele. Mas sempre esclarecemos. As pessoas de idade tendem a achar que é uma criança mal-educada; outro dia, em uma lanchonete, um senhor o olhava feio porque ele corria perto dele gritando; meu marido foi e contou que ele é autista e na mesma hora o homem pediu mil desculpas, disse que adora [a série americana] The Good Doctor [que narra as vivências de um jovem médico que tem TEA] [risos]...

E: O que falta no Brasil para que as famílias que têm membros com autismo possam ter um bom suporte?
C: No Brasil, falta muita coisa. Faltam centros especializados de qualidade e públicos; faltam médicos pediatras bem preparados para o diagnóstico; faltam (e isso me aflige muito) moradias assistidas para autistas adultos. Falta tudo, essa é que é a verdade.

E: O que é mais desafiador para o Alvi no dia a dia?
C: O mais desafiador para o Álvaro é fazer com que ele siga uma vida mais "normal" — afazeres de casa, tarefa etc. — e se desligue do hiperfoco. Em casa, ele só quer estar no celular e as brigas são homéricas. Ele também se entedia com o celular, claro, mas não aceita fazer outra coisa. E nesses momentos acontece muito de estourar e irritar-se.

E: Qual é a coisa que o Alvi mais gosta de fazer ?
C: Ele gosta do celular, óbvio, mas ele também gosta muito de patinete. Porém os patinetes de criança, com três rodinhas, ficaram pequenos para ele, e agora só encontramos com duas. Ele não consegue equilibrar-se. Adora passear em parques, shoppings e sair para comer! [risos]... AMA ir para a praia nas férias.

E: Como tem sido durante a quarentena?
C: Quarentena: um dia de cada vez. Começou bem, fiz uma historinha para ele com desenhos, ele parecia ter entendido e até ficou bem e adaptou-se à nova rotina super-rápido. Mas cansou. Há uns três dias tem estado muito agitado. Chora diariamente. Fala o nome de pessoas que gostaria de ver e lugares aonde gostaria de ir. Estamos cansados. Todos.


Para entender melhor

Rotina
Uma rotina regrada é um grande trunfo para a família que tem um ou mais membros com transtorno do espectro do autismo (TEA), pois um dia a dia previsível dá muito mais segurança e evita a ansiedade gerada pelo desconhecido, que aparece muito mais exacerbada em quem está no espectro. Daí também a importância de sempre antecipar as novidades, para que a pessoa esteja preparada e saiba exatamente o que se espera dela em cada situação. Ser pega de surpresa pode fazer com que se desorganize emocionalmente e daí podem vir as crises, as birras, os gritos... Utilizar imagens, como ilustrações ou fotografias, é sempre uma boa opção para ajudá-la a se organizar, uma vez que recursos visuais são muito bem-vindos no dia a dia da pessoa com autismo. O inesperado, porém, faz parte da vida e não será possível nem desejável que os pais consigam controlar 100% dos acontecimentos do dia a dia, uma missão inalcançável que pode ser muito desgastante e estressante para os cuidadores. Crises podem acontecer eventualmente e está tudo bem, faz parte.

Moradias assistidas para adultos
Existe uma angústia que é comum aos pais de crianças com necessidades especiais: O que vai ser do meu filho quando eu não estiver mais aqui? Quem vai cuidar dele? Afinal, as crianças crescem, os pais envelhecem, e nem todos têm algum cuidador de confiança que possa assumir esse papel no futuro. Para isso existem as moradias assistidas, lugares onde, em caso de desejo ou necessidade, pessoas que têm algum tipo de deficiência podem morar sozinhas, tendo suporte para as tarefas do dia a dia. Estes espaços podem ser administrados por instituições particulares ou públicas, como acontece em alguns países da Europa, como a Holanda. As moradias assistidas são cuidadas por profissionais e contam com os serviços de médicos, enfermeiros, psicólogos, cozinheiros, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, funcionários de limpeza, assistentes sociais, fonoaudiólogos... Enfim, é um lugar que garante independência, dignidade, cuidados e segurança no horizonte das pessoas que têm necessidades especiais. Fica o desejo de que projetos como esse proliferem no Brasil.


Na próxima parte, a Chimena vai dar pra gente um panorama de como tem sido a experiência de ser mãe de uma criança com autismo. Seguimos aprendendo e nos inspirando. <3

Confira nossas conversas sobre diagnóstico, tratamento, ingresso na escola regular e maternidade.

Para acompanhar a Chimena, confira o perfil dela no Instagram.

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