Mãe azul: terapias para o autismo

Estamos no Abril Azul, mês dedicado à conscientização sobre o autismo. Para celebrar este período, estou publicando, às segundas e quartas, partes de uma entrevista que fiz com Chimena Gama, mãe do Alvi, um garotinho lindo de 9 anos e que está no espectro.

Na primeira parte, a Chimena falou sobre a descoberta do diagnóstico e todas as sensações que fazem parte desse processo. Se você não leu, vá lá checar porque vale à pena!

E hoje nós vamos falar sobre terapias para o autismo. Como na primeira parte da entrevista, ao final, vou explicar um pouco sobre alguns conceitos e expressões que fazem parte desse universo (estes termos estarão em negrito). Vamos lá!

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ÉRICA: Como vocês escolheram quais terapias fazer? Quais profissionais acompanham o Alvi hoje em dia?
CHIMENA: Logo que começamos a busca de diagnóstico do Alvi, ele começou a fazer fono, pois a escola recomendou.
Depois de quase um ano, quando o levamos ao grande especialista, ele recomendou ABA [análise do comportamento aplicada]. Anteriormente, uma psiquiatra de linha psicanalítica havia nos indicado assistir aos vídeos sobre Son Rise; assistimos, mas tivemos dificuldade extrema em aplicar, porque a rigidez do Álvaro sempre foi enorme; além disso, meu marido sempre desconfiou um pouco da falta de comprovação científica do método.
Quando ele começou a fazer ABA, tinha 3 anos e posso afirmar com certeza que foi um tratamento terapêutico divisor de águas em seu desenvolvimento. Foi muito bom para ele.
Hoje ele continua fazendo ABA, 6 horas por semana; fono, 2 horas por semana; terapia ocupacional, 2 horas por semana. Mas sentimos falta de algo novo, ele já está em outra idade... gosta de música e tem dom, talvez uma musicoterapia.

E: O acompanhamento é muito caro? Tem alguma terapia que você gostaria que ele fizesse, mas que não é possível por falta de tempo e/ou dinheiro?
C: O tratamento do Álvaro fica em torno de uns R$ 5 mil por mês. É caríssimo. Não teríamos como pagar nunca (somos professores). No início, tínhamos ajuda de familiares que podiam fazer isso, mas não queríamos isso para sempre e resolvemos pedir os tratamentos ao plano de saúde. Obviamente o plano negou-se e entramos na justiça com uma advogada especialista. Ganhamos uma liminar em um mês e depois ganhamos a causa. O plano paga todos os tratamentos, como é de nosso direito.

E: Que tipos de ganho você acha que tiveram com as terapias?
C: Nossa, tivemos muitos ganhos com as terapias... Em vários âmbitos. Vou dar exemplos: o ABA o ensinou a olhar nos olhos; focar nas pessoas que interagem com ele; ficar sentado na escola para fazer as atividades; sentimentos... muito mais! A fono nem se diga, o tratamento do Álvaro simplesmente lhe deu voz e comunicação. Ele não falava até por volta dos oito anos! Isso o angustiava! E hoje, quando não fala, escreve. A fono também foi e é nossa parceira em alfabetização. A T. O. [terapeuta ocupacional] nos ajudou a entender todo processo sensorial de um autista e trabalha isso com ele, além de nos ajudar a encontrar atividades que o possam manter ocupado com qualidade, porque seu hiperfoco são desenhos no YouTube.

E: Explica pra gente o que é estereotipia e hiperfoco. Como vocês lidam com eles?
C: O hiperfoco, que citei acima, é algo a que o autista se prende e se liga de tal maneira, que só quer saber daquilo. É um assunto ou atividade de interesse único, ele não quer mais nada. Isso restringe seu leque de possibilidades sociais e até cognitivas ou emocionais. Por exemplo, o Alvi, desde os dois anos, é doido por eletrônicos para ver desenhos infantis no YouTube. Ele tem nove anos e continua com o mesmo interesse. É Elmo, Galinha Pintadinha, Bita... sempre os mesmos programas e as mesmas músicas. Ele não é tão rígido a ponto de querer ver um só, enjoa muito e muda, tem uma enorme variedade de desenhos de que ele gosta, mas sempre voltam. Recentemente, descobri que ele tem memórias de uma infância muito distante com esses desenhos (ele sabe ou lembra que os via em lugares que frequentava aos 2, 3 anos).
A estereotipia é a repetição motora. A criança fica se balançando, ou rodando... Todos temos estereotipias, porque muitas vezes ficamos mexendo no cabelo ou balançando os pés... Mas somos discretos. Autistas não, suas estereotipias são gritantes. Agora meu filho tem a mania de "coçar" a cabeça de trás para frente, meio batendo e dando um grito ao mesmo tempo. Quando está nervoso ou ansioso, faz muito. Nessa quarentena, imagina!
Eu vi uma vez a fala de um  médico em que ele explicava que a estereotipia e o hiperfoco são faces de um mesmo modelo de fixação por coisas (movimentos ou assuntos) que traz boas sensações aos autistas diante de uma descarga de pensamentos e ações que o cérebro lhes envia.


Para entender melhor

Análise do comportamento aplicada (ABA)
A análise do comportamento aplicada (ABA) costuma ser tão atrelada ao autismo que muitas pessoas pensam que é um tratamento para pessoas que estejam no espectro. Mas ABA é na verdade um ramo da análise do comportamento que pode ser aplicado para diversas finalidades. É possível usar ABA para dar aulas, fazer treinamento em empresas, terapias e inclusive no tratamento do autismo.
É o tratamento mais indicado pelos médicos e é conhecido por ser o único com eficiência comprovada cientificamente. Este caráter mais científico se deve a estudos muito criteriosos, com metodologias claras, controles e resultados expressivos, com números, estatísticas, tudo bastante objetivo. O foco são os comportamentos, que podem ser classificados como estando em déficit ou em excesso, e a partir daí trabalha-se com reforços e condicionamento. Não há fórmula pronta, no entanto. Cada pessoa recebe um tratamento adequado às suas próprias necessidades. Quanto antes as intervenções começarem, mais chances de ganhos.
O tratamento para o autismo com base em ABA pode ser bastante exaustivo, com uma recomendação de 20 a 40 horas semanais. Mas isso não quer dizer que todo esse tempo seja passado exclusivamente na terapia. O ideal é que se trabalhe com a ideia de generalização do aprendizado, ou seja, que aquilo que se trabalha em um ambiente seja reforçado nos outros de que a pessoa faz parte. Assim, se a família, a escola e os outros profissionais estão alinhados, todo esse tempo também conta.
Existem cursos de formação para ser analista do comportamento, mas aqui no Brasil essa atividade não é regulamentada. Muitos pais, por exemplo, às vezes até por uma questão de economia (pois a grande quantidade terapias indicadas sai muito caro), matriculam-se em treinamentos e podem ajudar seus filhos em casa.

Programa Son-Rise
Já o Son-Rise é um programa de terapia domiciliar para crianças com perturbações no desenvolvimento, inclusive o autismo, cuja aplicação deve ser feita pelos pais ou pessoas próximas, com a ajuda de facilitadores.
O programa foi desenvolvido nos Estados Unidos dos anos de 1970 por Barry e Samahria Kaufman, pais de uma criança que tinha autismo e que se recusaram a aceitar o prognóstico ruim dado ao filho.
O programa vê o autismo como uma perturbação sociorrelacional e parte da busca de uma conexão com a criança para que seja criado um vínculo com seu mundo antes de ensiná-la sobre o mundo exterior.
As intervenções também são feitas diariamente e por muitas horas. São recomendadas mais de 20 horas semanais de terapia pelo Autism Treatment Center of America (ATCA), centro dirigido pela família Kaufman, inclusive pelo filho Raun, motivo pelo qual tudo começou.
A formação para essa modalidade de tratamento do autismo é dada no próprio centro, havendo ainda a possibilidade de fazer o curso à distância, porém em inglês. Há ainda o livro escrito por Barry Kaufman, Vencer o autismo (Papa-Letras), em que o programa é minuciosamente explicado.
Não é um método controlado com todo o rigor científico como a terapia baseada em ABA, e o sucesso é medido pela própria experiência dos pais ou cuidadores, bem como pelos relatos de caso com evoluções felizes.
A escolha da melhor terapia, porém, varia muito de cada família e do perfil da criança que vai receber o tratamento. É importante escolher um caminho que esteja alinhado com seus princípios e convicções. Em ambos os casos, fica claro que pais participativos, bem informados e que realmente se envolvam no processo fazem toda a diferença.


Gostaram do post de hoje? Na próxima parte a Chimena vai falar do ingresso na escola regular.

Confira as outras partes da entrevista, em que falamos sobre diagnóstico, ingresso na escola regular, rotina e maternidade.

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