Mãe azul: a descoberta do diagnóstico

O dia 2 de abril é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, mas a celebração se estende por todo o mês. É o chamado Abril Azul, uma campanha que visa a chamar a atenção e divulgar informação sobre a questão do autismo. Por isso convidei a Chimena Gama para conversar e nos ajudar a entender tudo isso melhor.

A Chimena é doutora em estudos literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara (SP), especialista em educação inclusiva pelo Instituto Brasileiro de Formação de Educadores (IBFE) de Campinas (SP), professora de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental e mãe de um garoto de 9 anos, Álvaro, o Alvi, que, como ela mesma diz, é o menino “mailindomundo” e tem autismo. O pai do Alvi e marido da Chimena é o Eduardo Gama, mestre em literatura pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de redação para o ensino médio.

Conheci a Chimena durante nossa graduação em letras na Unesp de Araraquara, e ela sempre chamou minha atenção por ser inteligente e bem humorada. Com o passar dos anos, descobri que, além disso tudo, a Chimena também é uma mulher muito forte.

O caso do Alvi é muito especial pra mim. Como tenho um filho da mesma idade, eu e Chimena compartilhávamos experiências da maternidade quando ele foi diagnosticado. E posso dizer que todo o meu interesse e aprendizado sobre o autismo vem daí.

O transtorno do espectro do autismo (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que tem duas características principais: dificuldade de interação e comunicação social e padrões estereotipados e repetitivos de comportamento. A causa do transtorno, porém, ainda é desconhecida, embora haja evidências de influência de fatores genéticos.

Como tanto eu quanto a Chimena somos exageradas (rs.), essa entrevista será dividida em seis partes, que serão publicadas ao longo do mês de abril, às segundas e quartas-feiras. E, além da entrevista, vou tentar amarrar alguns termos e aspectos um pouco melhor. Estes termos estarão em negrito.

Nesta primeira parte, a Chimena vai falar sobre a descoberta do diagnóstico. Vamos lá?

Eduardo, Álvaro e Chimena (foto cedida pela entrevistada).

Eduardo, Álvaro e Chimena (foto cedida pela entrevistada).

ÉRICA: Chi, em primeiro lugar, muito obrigada por topar dar essa entrevista. Tenho certeza de que será fonte de informação e inspiração para muitas pessoas.
CHIMENA: Obrigada pela entrevista. Adoro falar sobre tudo: descoberta, como é... tudo! Não me esquivo de nada! Já tenho um livro pronto, falta só a editora. Chama-se Seguindo no trem azul: viagem de uma mãe como todas as outras e seu filho autista [#ficaadica editoras].

E: Você poderia começar contando que idade o Alvi tinha quando vocês descobriram que ele estava no espectro? Já havia algum sinal antes? O que os levou a investigar essa possibilidade?
C: Quando recebemos o diagnóstico do Alvi oficialmente, com a médica falando AUTISMO e dando o laudo, ele tinha dois anos e dois meses. Mas eu já sabia; já estava pesquisando na internet e já desconfiava. Foi em agosto de 2012, e ele havia entrado na escola em fevereiro daquele ano. No início de abril, a professora nos chamou para uma reunião sobre algumas preocupações com o comportamento dele: um pouco alheio, pouco atento, essas coisas. Mas ela foi muito sutil. No entanto, eu já estava sofrendo há uns seis ou sete meses, achando que havia algo errado comigo. Eu achava que ele era infeliz e que eu não sabia brincar ou diverti-lo. Porque ele era muito fechado, sério... não interagia... Enfim, ele foi autista desde sempre, autista raiz [risos]. Meu marido, bem faísca atrasada para essas coisas, me achava exagerada. Um dia, ele me disse que achava que eu estivesse sofrendo de depressão pós-parto (um ano e meio depois do parto! [risos]). Então, nessa vez que a escola nos chamou, ligou uma sirene interior. Comecei a pesquisar o comportamento dele na internet e vi vídeos sobre autismo. Mas não disse nada ao meu marido, fiquei remoendo aquilo sozinha. Em maio, pouco antes de ele fazer dois anos, a escola nos chamou novamente. Mas aí foram mais incisivos, relataram muitos detalhes de seu comportamento; a coordenadora, minha amiga, estava junto, e ela disse ao meu marido: "Todas as criancinhas nessa idade, ao ouvir a voz dos pais quando chegam para pegá-las, correm até eles, abrem aquele sorriso. Você, Edu, chega, e o Álvaro continua em pé, se balançando, vendo vídeo, ignorando-o totalmente. Acho que vale à pena procurar uma neuro... descartar surdez... e outras coisas". Para mim, foi decisivo. Eu cheguei, procurei mais coisas na internet, vi um vídeo em que as crianças ERAM o Álvaro e comecei a chorar rios.

E: E como foi o processo de aceitação do diagnóstico?
C: Nós o levamos à neuro, que indicou vários exames e falou a palavra AUTISMO. Era a deixa de que eu precisava. Eu já havia tocado no assunto com meu marido, mas ele achou aquilo absurdo e ridículo. Quando a neuro pediu os exames, então, ele me ouviu mais. Mas não aceitava. Levou mais de um mês para fazermos tudo e ficar tudo pronto, e o Edu disse que enquanto não ouvisse o diagnóstico da boca da médica, não falaríamos a palavra AUTISMO. Eu já havia me acostumado. Comigo, ocorreu quase um alívio. Aquilo tudo que eu sentia, a "depressão pós-pós-pós-pós-parto" agora fazia sentido, e eu poderia me munir de todo tipo de informação para tratar meu filho.

E: Qual o grau do autismo do Alvi? Que tipos de sinais determinam este grau?
C: O Álvaro tem autismo moderado a severo. O termo "grau" já foi até abolido dos principais documentos médicos internacionais, mas ele acaba sendo útil para avaliação inicial da criança, né? Logo após o diagnóstico do Álvaro, nós o levamos a um especialista "bambambam", e ele nos informou que era impossível fazer diagnóstico de "grau" em paciente tão novo. É preciso ver a evolução e a resposta aos tratamentos, se a criança vai falar ou não, quais suas dificuldades...
No caso do Alvi, ele tem muitas comorbidades... Ele tem apraxia da fala severa, que dificulta sua fala — e é quase um milagre que ele até esteja falando um pouco de um ano para cá —; tem uma esofagite, que descobrimos recentemente, e é causada por alergia a algum alimento que não descobrimos qual é; tem problemas intestinais (claro); tem distúrbio sensorial; parece ter DPAC [distúrbio do processamento auditivo central]... Enfim, a lista vai. Ele tem o cognitivo muito bom e é muito esforçado para compreender as coisas, mas o abstrato lhe escapa totalmente.


Para entender melhor

Depressão pós-parto (DPP)
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os sintomas de depressão pós-parto (DPP) aparecem em até seis semanas após o parto. Já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), determina um período de até quatro semanas. Porém muitos artigos científicos da área afirmam que a DPP pode acontecer até um ano depois do parto. O Ministério da Saúde tem uma página de orientação sobre essa condição.
Fonte: “Depressão pós-parto: discutindo o critério temporal do diagnóstico”, de Evanisa Helena Maio de Brum.

Grau
Quando utilizamos o termo “grau” em relação ao autismo, estamos nos referindo às classificações leve, moderado e severo. Porém tanto essa classificação quanto o próprio nome dado ao transtorno se modificou nos últimos anos.
Em 2018, a OMS lançou o CID-11, que passou a seguir a alteração que já havia sido feita pela APA no DSM-5, publicado em 2013. Essa alteração consistiu em reunir todos os transtornos relacionados ao autismo em um só diagnóstico, o transtorno do espectro do autismo (TEA), o que simplifica a classificação e facilita o acesso aos serviços de saúde.
No CID-10 o autismo era classificado como parte dos transtornos globais do desenvolvimento (TGD), que incluía subcategorias como autismo infantil, autismo atípico e síndrome de Asperger. O CID-11 reúne todas essas variáveis no TEA, cujas subdivisões se referem a aspectos da linguagem funcional e da deficiência intelectual. Por isso você vai escutar pessoas dizendo que não se fala mais em síndrome de Asperger, conhecida como uma forma de autismo mais leve. Oficialmente, não existe mais essa síndrome.
No entanto, quando se refere à classificação de níveis / graus no autismo, o critério é a necessidade de suporte / apoio, de forma que se tem: nível 1, grau leve, necessita de pouco suporte; nível 2, grau moderado, necessita de suporte; e nível 3, severo, necessita da mais suporte.

Comorbidade
Comorbidade é a associação de uma ou mais condições de saúde em uma só pessoa. Por exemplo ter diabetes e pressão alta ou ter depressão, ansiedade e gastrite.

Apraxia da fala
A apraxia é um distúrbio motor da fala causado por uma condição neurológica que interfere na capacidade de programar os movimentos desejados, resultando em falhas, ainda que a pessoa não apresente danos musculares e ela saiba como fazê-lo. Normalmente está ligada a alguma lesão cerebral sofrida, como um acidente vascular cerebral (AVC) ou o surgimento de um tumor. Existe também a dispraxia, quando essa dificuldade é inata, ou seja, já nasce com a pessoa, sem que haja uma ruptura.

Esofagite, alergia alimentar e problemas intestinais
Embora ainda não se saiba o porquê dessa associação, problemas gastrintestinais são muito comuns em pessoas que têm autismo.

Transtorno de processamento sensorial
Este tipo de transtorno se refere a uma resposta desproporcional quando os sentidos são estimulados. O corpo tem dificuldade para interpretar esses estímulos e acaba por fazê-lo de forma exagerada ou insuficiente, o que pode dificultar a vida tanto dentro quanto fora de casa. Essa sensibilidade pode ser visual, auditiva, oral, olfativa, tátil ou vestibular, e os sintomas podem ser reações como incômodo com: luzes brilhantes, ruídos, textura dos alimentos, cheiros, toque, tecidos, movimentos etc. É uma comorbidade comum no TEA. Quando você ouve que pessoas que têm autismo não gostam de ser tocadas, é a este transtorno que estão se referindo. No entanto, esta não é uma característica generalizada. Se você está em dúvida, melhor perguntar para a pessoa ou para seus cuidadores.

Distúrbio do processamento auditivo central (DPAC)
Apesar do nome, o distúrbio do processamento auditivo central (DPAC) não pode ser considerado uma deficiência auditiva, mas uma condição neurossensorial relacionada às áreas do cérebro ligadas à audição, fazendo com que a pessoa tenha dificuldade de processar o som das mensagens recebidas. A pessoa ouve, mas tem dificuldade de interpretar o que ouviu. A condição pode afetar a capacidade de atenção, compreensão, memória e pode prejudicar o processo de alfabetização, uma vez que a dificuldade para decodificar os sons pode fazer com que a criança confunda algumas letras e fonemas, podendo haver o diagnóstico equivocado de dislexia ou de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Mais comum em crianças e idosos, não se sabe ao certo o que causa esse distúrbio, mas o mais comum são causas genéticas, lesões cerebrais, atraso no desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) ou mesmo envelhecimento natural do cérebro. Com acompanhamento profissional, no entanto, é possível aprender e se desenvolver bem.

Pensamento abstrato
O pensamento abstrato é aquele que vai além do concreto. Ou seja, a partir do concreto, posso perceber uma pedra à minha frente. Por meio do pensamento abstrato, posso relacionar outras ideias a ela, criar teorias, inventar histórias. Uma das características mais comuns às pessoas que têm autismo é o déficit neste tipo de pensamento, que faz com que o sujeito tenda a entender tudo de forma mais literal. Há dificuldade para entender metáforas e ironias, por exemplo.


Na próxima entrevista, a Chimena conta sobre a experiência de sua família com as terapias para o autismo.

Confira também a nossa conversa sobre tratamento, ingresso na escola regular, rotina e maternidade.

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